Após um longo período de quase perfeita previsibilidade entre 1945 e 1990
O mercado mundial de caças, aparenta ter entrado numa fase onde as velhas certezas não mais se aplicam.
Durante os anos da Guerra Fria, na hora de planejar seu re-equipamento, as diversas armas aéreas acabavam por encontrar-se limitadas a obter seus caças exclusivamente das potências com quem seus países eram politicamente alinhados. Países ocidentais, como o Brasil, compravam exclusivamente dos EUA, França ou do Reino Unido. Muitos países árabes (em óbvia retaliação ao apoio ocidental ao Estado de Israel), os países não-alinhados e os comunistas forçosamente compravam modelos russos. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA restringiram, por questões exclusivamente políticas, o acesso de seus aliados aos seus aviões de mais alta performance. Eram liberadas para venda apenas as aeronaves mais defasadas, ou então, aquelas mais simplificadas com desempenho mais limitado, como o F-5. Este avião embora produzido em grande quantidade nunca foi usado operacionalmente pelos EUA, sendo destinado exclusivamente para exportação. A indústria francesa, normalmente operando fora destas restrições políticas, obteve nos anos 60 e 70 um grande sucesso com seus caças Mirage originais. Por sua vez, os britânicos desperdiçaram sua liderança tecnológica neste mercado ao, voluntariamente, abandonarem o mercado de caças após a introdução do interceptador BAC Lightning. Em função de questões políticas internas eles só voltariam ao mercado cerca de dez anos mais tarde, já então como parte de programas pan-europeus, como o Panavia Tornado.
Este foi o período conhecido como a era a das "guerras por procuração", e assim gerou uma situação bastante peculiar sob a ótica dos compradores. Poucos eram os países que dispondo de orçamento, também tinham a independência política para poder escolher seu próximo vetor de combate segundo suas próprias prioridades particulares. Por isso, um grupo bastante grande de nações ficou condicionada a aceitar o proverbial cavalo dado sem poder olhar os dentes. Tanto a União Soviética como os Estados Unidos, forneceram centenas de caças a países que efetivamente não tinham meios para comprá-los, e nem mesmo para mantê-los adequadamente. Estas "vendas" muitas vezes não passaram de doações camufladas sob o guarda-chuva de programas de assistência militar como o MAP - Military Assistance Program, tão usados pelos americanos. Uma vez que o fato gerador desta venda desaparecesse por qualquer razão, quase que imediatamente a frota destes países se tornava inoperante ou até mesmo acabaria sendo sucateada sumariamente.
Esta "encruzilhada" metafórica na década de 90 é claramente percebida como um momento de ruptura. Este é o ponto, a partir de onde, as antigas tendências parecem não mais guiar os fatos para o seu resultado "tradicional", e novos elementos passam a empurrar os fatos vindouros para caminhos totalmente inusitados.
Com o fim da Guerra Fria as fronteiras ideológicas do velho mundo, um mundo perfeitamente segmentado, se desintegram da noite para o dia. Inimigos e rivais de ontem viram possíveis focos de oportunidades para o futuro. Por exemplo, era assumido universalmente que toda a produção aeroespacial dos países ex-soviéticos fosse interrompida, como ocorreu em vários outros segmentos da antiga URSS. Mas isso não ocorreu, pelo menos não na área de aeronaves militares. O projeto básico de alta qualidade, característica presente tanto nos Sukhoi Su-27 Flanker, quanto nos Mikoyan Gurevich MiG-29 Fulcrum, causou uma grande mudança neste quadro de tradicional previsibilidade. Mesmo após o colapso da URSS, ano após ano, novos clientes passaram a adquirir os caças russos. China e Índia foram o catalisador desta nova fase ao, em paralelo, selecionarem o Flanker e o Fulcrum em grandes números para compor suas forças aéreas. Estas escolhas iniciais não tiveram nada de errático ou de pontual. Ambos os países, posteriormente, reafirmaram sua opção pela tecnologia russa ao assinarem contratos de produção local, sob licença para mais de cem unidades cada um, dos caças da Sukhoi.
O sucesso internacional da família Flanker se apóia em três pilares básicos:
a) Uma célula robusta, muito competente aerodinamicamente, capaz de comportar o crescimento e a atualização continuada com novos aviônicos digitais e sensores mais modernos;
b) Um país capaz de produzi-los em largas quantidades e sem muitas restrições de natureza política; e
c) um preço de aquisição muito agressivo, chegando a ser menor do que o do F-16, o caça leve padrão dos EUA.
O Flanker se constitui hoje num verdadeiro "caça Lego", onde praticamente qualquer aviônico, seja ele de origem russa, européia ou de outra nacionalidade, pode ser integrado ao avião, de acordo com o desejo do cliente.
Esta flexibilidade de configuração é um fruto acidental da forma da produção característica dos tempos soviéticos e de sua falência desordenada. Naquela época todos os modelos eram criados e desenvolvidos, até a fase do protótipo, pelo "Bureau" (Escritório de Projeto). Posteriormente o programa era distribuído para várias fabricas espalhadas pelo país para sua produção seriada. Com o fim da economia planejada soviética, cada uma destas indústrias passou a desenvolver, em paralelo, seu próprio programa de atualização independentemente dos esforços do Bureau Sukhoi. Hoje com a produção devidamente alinhada sob um modelo centralizado gerido pela holding Sukhoi e da gestão comercial unificada para o exterior pela Rosoboronexport, a plataforma básica do Flanker oferece ao comprador um amplo leque de opções na hora de configurar armas, sensores e eletrônicos de bordo. Na contramão do que se esperava há apenas dez anos, as vendas no exterior dos caças Sukhoi não param de crescer: Vietnam, Indonésia, Malásia, Argélia e agora, a Venezuela, se somam à China e à Índia e a várias ex-republicas soviéticas na operação de expressivas frotas destes aviões.
Mais do que os ganhos comerciais, as vendas de caças americanos neste novo cenário pós-Guerra Fria se nortearam ainda mais pelo desejo do governo americano em seguir manejando a capacidade militar de seus aliados. Nos anos 80 e 90 o caça padrão de exportação foi o monomotor F-16 que obteve um bom sucesso entre países da OTAN, países asiáticos e do Oriente Médio. Curiosamente, foi justamente a introdução do Flanker na Ásia, um caça muito maior e mais perigoso, que gerou uma mudança de planos dos EUA. Agora toma forma uma nova e inesperada onda de vendas do caça bimotor F-15. Justo um modelo que, até então, tinha suas vendas restritas a alguns parceiros chave, apenas: Japão, Israel e Arábia Saudita. Recentemente Coréia do Sul e Cingapura optaram por comprar este caça americano, apesar de ele ser muito mais caro e capaz que o F-16. Ambos aviões são excelentes, mas, sua escolha acaba por implicar a aceitação de uma série condicionamentos geopolíticos do governo americano. Em vários casos, clientes dos aviões F-16 acabaram tendo vetado seu acesso ao armamento mais moderno como, por exemplo, os mísseis BVR (além do alcance visual) AIM-120 AMRAAM.
Neste mesmo período, na Europa, o mercado se acomodou ao redor de três modelos que chegaram ao mercado quase que simultaneamente: o francês Dassault Rafale, o sueco Saab Gripen e o anglo-ítalo-hispano-alemão Eurofighter EF-2000. Se este último já nasceu com uma encomenda inicial de mais de 600 unidades dos seus sócios industriais e tem um futuro mais do que garantido, o mesmo não se pode dizer dos demais. O êxito verificado com os Mirage III, V e F-1 não se repetiu com o Mirage 2000, que conquistou não mais de 7 clientes no exterior. Seu sucessor, o Rafale, mesmo mais de 10 anos após seu primeiro vôo enfrenta uma pedreira íngreme e vem colecionando apenas frustrações no mercado exterior. Derrotado na Coréia e em Cingapura pelo F-15 americano, o Rafale tropeçou também na mega-compra de 72 unidades para Arábia Saudita, onde o Eurofighter levou a melhor. A lista de encomendas do modelo francês, até agora, não vai além da Força Aérea e da Marinha francesas. Talvez por isso, a modesta lista de armamentos integrados ao Rafale sejam ainda essencialmente produtos de origem francesa, não necessariamente conhecidos por apresentar preços de compra agressivos ou experiência comprovada em combate. Aparentemente, a decisão unilateral da Dassault de seguir adiante com um avião 100% francês acabou por prejudicar severamente as chances do Rafale no mercado mundial.
O caça sueco JAS-39 Gripen é o mais recente herdeiro de uma longa e competente tradição de caças suecos. No entanto, ele padece de duas deficiências difíceis de serem superadas: a falta de pujança geopolítica da Suécia para "empurrar" seu caça nas concorrências contra iniciativas de concorrentes pesos-pesado, como os Estados Unidos e a Rússia, por exemplo. E a falta de "músculo econômico" sueco para produzir propostas economicamente imbatíveis. Semelhantemente com o Rafale, o Gripen sofre de uma crônica falta de clientes e de encomendas substanciais. Conseqüência direta disto, o ritmo de produção, tanto da linha industrial sueca quanto da francesa, são obrigatoriamente lentos. Apenas poucos aviões sendo produzidos a cada mês. Se não fosse assim, em poucos meses seria necessário fechar a linha de produção devido à falta de pedidos e clientes, decretando a morte prematura dos dois modelos.
O inesperado sucesso comercial dos russos com o Su-30 e com o MiG-29, indica que estes aviões podem ter uma sobrevida bem superior ao dos aviões da Saab e da Dassault, a não ser que alguma grande e significativa venda se materialize logo para eles, mudando totalmente o quadro.
Por seu lado, os americanos indubitavelmente puxam o trem da alta tecnologia neste segmento. Eles são os únicos com modelos de 5ª geração em produção e em desenvolvimento. O caça de supremacia aérea Lockheed F-22 Raptor, se apresenta como "virtualmente imbatível", mas, no entanto, exibe um custo unitário proporcionalmente espetacular, comprometendo até mesmo o vasto orçamento anual da Força Aérea americana. Ele será em breve acompanhado em serviço pelo Lockheed F-35 Lightning II, modelo mais leve e monomotor, mas também incluindo tecnologia stealth. O Raptor, na sua versão básica, é praticamente inexportável devido seu altíssimo custo unitário superior a 200 milhões de dólares a unidade. Adicionalmente, pelo fato do F-22 embarcar muita tecnologia avançada e secreta, assim como utilizar materiais avançados, o principal modelo para exportação dos americanos neste novo século deverá ser o F-35. O Lightning II vem sendo oferecido como um caça tão revolucionário sobre as atuais gerações que levou um grande número de paises aliados adiassem suas compras de caça até o período de disponibilidade do F-35, entre 2010 e 2015, Esta estratégia acertou em cheio alguns dos clientes contados como certos para os três caças europeus, obviamente punindo mais fortemente o Gripen e o Rafale. Notícias recentes sugerem que mesmo na época de entregas dos F-35 aos clientes estrangeiros o governo americano poderia vir a restringir a exportação dos aviões na configuração padrão da USAF e da US Navy. Ao preparar uma versão piorada para cliente no exterior, muito ruído e descontentamento foi gerado entre os países que já se comprometeram com o programa industrial deste avião: Holanda, Reino Unido, Austrália, Turquia, Noruega e Itália. Neste caso muita água ainda vai rolar debaixo da ponte antes que possamos afirmar que o F-35 será tão exitoso no mercado global quanto se esperava dele no inicio do seu planejamento.
O custo crescente e a consolidação da indústria aeroespacial mundial assim como dos mercados consumidores já fizeram que tanto Dassault Aviation quanto Saab, tenham indicado que o Rafale e o Gripen, tendem a ser os últimos caças tripulados 100% fabricados por estas empresas, o futuro na Europa parece apontar para aeronaves de combate não-tripuladas.
Os Russos, após uma forte e dolorosa arrumação interna que consolidou centenas de empresas baixo uma única holding do segmento aeroespacial, eliminaram sobreposições funcionais e redundâncias, e anunciaram o seu programa de caça de 5ª geração. Este novo programa deve contar com a participação significativa das industrias aeroespaciais chinesa e indiana. Capitaneado pela Sukhoi, o projeto ambiciona produzir uma opção não-ocidental, aos F-22 e F-35 americanos. Até este momento, o novo programa vem sendo chamado na imprensa pelo pouco revelador código "T-50", e nenhuma ilustração oficial descortinou até hoje as suas possíveis linhas aerodinâmicas.
Para a indústria aeroespacial brasileira, que, por diversas razões perdeu o trem no caso dos aviões de caça europeus, esta pode ser uma oportunidade rara e muito interessante. O T-50 ainda se encontra num estágio ainda bastante inicial, com muito trabalho restando ainda pela frente. A tecnologia desenvolvida para ele será no estado da arte, podendo servir como alavanca para nos capacitar nas próximas décadas para mantermos a liderança conquistada pelos eficientes EMB170/190 no mercado comercial civil.
A Embraer tem muitas habilidades técnicas que a distinguem e pavimentam seu caminho de sucesso até o ponto em que ela se encontra hoje. Uma destas, é justamente seu know-how de vendas e de suporte pós-vendas. Imaginem um caça de 5a geração nascendo com encomendas de várias centenas de unidades já garantidas, unindo a alta tecnologia dos russos, o baixo custo industrial dos chineses, o domínio de software indiano com a atenção a clientes alinhada com os melhores padrões de serviço da indústria ocidental, amplamente dominados pelos brasileiros. Esta seria uma combinação inédita das melhores características de um grupo notável de países chamados pelos analistas econômicos internacionais como BRICs (Brasil-Russia-Índia-China). Eis uma janela única se abrindo à nossa frente, será que teremos habilidade para aproveitar ela? O tempo dirá.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário